Na minha cidade há vários times de futebol profissional, e eu sou uma modesta "torcedora" de um deles. Coloco a palavra entre aspas, pois a minha torcida não passa de acompanhar o desempenho do time e desejar que ele jogue bem com vitórias, é claro. Ocorre que esse meu time é dono de uma das mais fervorosas e fanáticas torcidas do interior e seguramente a maior, em número de torcedores de todos os matizes. A cidade e o clube devem ser orgulhosos disso. Mas será que essa é a melhor torcida? Quantidade é sinônimo de Qualidade, em se tratando de torcedores de futebol?...
No último campeonato, o clube tropeçou no último jogo e perdeu o acesso. Mas os 1.500 torcedores que viajaram centenas de quilômetros para incentivar o time na sua última partida não esmoreceram e cantaram o hino de amor incondicional até o apito final. Foi um espetáculo profundamente emocionante, maravilhoso... Nesse dia acreditei que essa torcida não era apenas a maior mas a melhor torcida do interior, se não de todo o Brasil.
E hoje queria continuar acreditando que sim, pois o erro de uma minoria não deveria comprometer a credibilidade da totalidade. Por erro quero dizer da prática da violência - física e moral - cometida por alguns torcedores do meu clube contra os jogadores de um clube da cidade vizinha - clube eleito como seu rival maior - e contra os seus torcedores que vieram acompanhar o seu time jogar com outro time desta cidade. Nem era jogo contra o meu clube, que após perder aquela partida estava sem campeonato...!
Esse incidente terrível como que me acordou para uma realidade que eu teimava em "esquecer". O futebol alegre, o futebol inocente, o futebol laser é coisa do passado. Hoje, o futebol é coisa séria. É (para seus promotores) negócio de alto risco com milhões em jogo, e refúgio para o povo-espectador, onde os violentos encontram desculpas para praticar atos de vandalismo e intimidação em nome do seu clube, o que em outras circunstâncias seriam criminosos ou no mínimo execrados como marginais.
Esse cenário é tão mais grave quanto mais o time ganha destaque. É raro, quase nulo acontecerem atos de barbárie praticados por torcedores de time de pouca expressão. Mas basta o time ascender ao destaque estadual ou nacional que esses atos começam a pipocar aqui e ali. O meu clube tem o firme propósito de ascender à elite do futebol profissional, e esse objetivo deverá ser alcançado no próximo ano. Qual, então, será o comportamento dos torcedores?
A torcida do meu clube é impressionante, principalmente se levar em consideração a a pouca importância do clube no cenário do futebol nacional. É o maior público do interior, incentiva o time em todos os momentos do jogo, nenhum obstáculo a impede de acompanhar os seus jogos enfrentando seja horários de jogo esdrúxulos, maus tempos ou distâncias, orgulha-se dos bons resultados como nenhuma outra torcida, cobra e pressiona a diretoria do clube mais do que qualquer outra, permanece fiel mesmo nas piores decepções. Assim, a alegria e o orgulho de pertencer a essa nação quando o time subir à elite do futebol, por maior que fossem não serão exagerados nem imerecidos.
Mas, como o ditado popular diz, uma fruta podre pode comprometer toda a colheita...
O orgulho e felicidade de torcer por um time vitorioso pode dar a falsa impressão de que o poder do time é também o seu poder. No meio da imensa maioria de torcedores pacíficos, há pessoas que já quebraram a porta do vestiário dos jogadores e arrancaram a camisa de torcedores do time rival. Só por que essas pessoas têm vínculo de trabalho ou afeição com esse clube rival. E esses vãndalos ganham a coragem de praticar esses atos por pertencerem a uma "nação" de torcedores, e acreditam que têm o aval dessa nação (a exemplo de outras "nações" de torcedores de times grandes que parecem aprovar ou tolerar).
Mas, então... e amanhã, quando o meu clube estiver na elite, o que será que essas pessoas farão? E as Torcidas Organizadas? O que elas pensam hoje, o que farão amanhã?
Não tenho dúvidas de que essas mesmas pessoas que praticaram os atos de violência também são capazes de atos da maior abnegação e sacrifício a favor do clube e dos seus amigos e companheiros torcedores. Entretanto, se desejamos ser uma torcida diferenciada não só na quantidade como também - e principalmente - na qualidade, não podemos tolerar que tais atos repitam, ou acabaremos nivelados "por baixo". Se hoje esta torcida é destaque na mídia local que enaltece a sua dedicação e amor pelo time, amanhã poderá ser alvo de condenação geral da sociedade... por causa de uns poucos, pouquíssimos torcedores que não controlam a sua violência, escudados pelo suposto aval da sua "nação".
Não vou expandir aqui a discussão sobre a natureza humana violenta nem sobre a banalização das práticas de violência em todas as esferas sociais. É que todos somos violentos em maior ou menor grau, e o que nos faz merecedores da paz e nos dá o direito de viver nesta sociedade em segurança é a capacidade de cada um em controlar os seus ímpetos violentos seja contra quem ou o que for. No caso de violência dos torcedores, eles também são capazes de se controlarem, mas para isso a sua "nação" deve dizer a eles que tais atos não serão mais tolerados.
O novo Estatuto do Torcedor vai endurecer o controle sobre torcedores e torcidas, e a lei será aplicada a todos, sem distinção do tamanho ou importância do seu clube no ranking nacional. Com isso muitos inocentes irão se submeter a situações vexatórias ou constrangedoras, por serem tratados todos como criminosos em potencial, e muitos acabarão por abandonar as arenas e estádios...
A cultura da violência no futebol tem que acabar, e essa mudança não começa apenas com imposição de leis elaboradas por políticos de gabinete, mas por próprios torcedores frequentadores das arquibancadas. Futebol é paixão, é prazer, e é para todos, torcedores fanáticos ou meros simpatizantes. Acima de tudo futebol não é, nem nunca deve ser instrumento de extravazão dos instintos selvagens!
BASTA DE VIOLÊNCIA!
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